O filme de 1988 é um dos meus preferidos do Pedro Almodóvar e quando o vi apaixonei-me pelas personagens e achei a história hilariante. Quando uns anos mais tarde, em 2010, estreou nos palcos da Broadway a versão musical do mesmo, fiquei muito curioso e, com muita pena minha, não a pude ir ver. A peça não teve grande sucesso, tendo estado em exibição poucos meses e, quando foi editado o seu “original cast recording”, não fiquei convencido com as canções.
Avanço no espaço e tempo, e eis que o musical chega a Lisboa pela mão confiante e experiente de Filipe La Féria. Claro que fiquei entusiasmado com a ideia e lá fui até ao Teatro Politeama para redescobrir a obra de Pedro Almodóvar em versão Broadway à portuguesa.
Para quem não saiba, sem querer revelar muito, a história gira à volta de Pepa, uma actriz que é abandonada sem razão aparente pelo seu amante Ivan. Entretanto, a ex-mulher deste persegue-a com sede de vingança, uma amiga de Pepa apaixona-se por um terrorista e Carlos, o filho de Ivan, procura casa com a sua frígida namorada (ou será a criada?). Para ajudar à festa, temos ainda uma advogada senhora do seu nariz, uma beata testemunha de Jeová e um taxista loiro platinado.
O espectáculo custa a arrancar e o número de abertura precisava de “salero”, mas julgo que o defeito vem da versão da Broadway. A produção é cuidada e bem oleada, sem pontos mortos, levando a história a bom porto, se bem que o final sabe a pouco. Mas senti a falta do humor e da loucura sem rédeas de Almodóvar, ou seja, parece uma versão domesticada da sua obra. Estão cá as cores de Almodóvar, mas falta a sua irreverência. Presumo que o musical original sofresse do mesmo mal. Falta-lhe o espírito madrileno e as imagens projectadas podiam ser mais criativas.
Em relação às canções, que têm pouca batida espanhola, La Féria teve a ideia genial de dar um tom fadista às canções de Pepa e talvez tivesse feito sentido a acção passar-se em Lisboa e, em vez de gaspacho, podíamos ter uma boa sangria. Os números dançados, apesar do talento dos bailarinos, são meramente decorativos e podiam ter sido, na maioria dos casos, dispensados; isto é estranho vindo de mim, pois adoro dança. Também não percebi por que razão é que num dos números de Ivan (Carlos Quintas, bem, mas igual a si próprio) as bailarinas estão vestidas como as “Les Girls” do Gene Kelly, mas presumo que é uma piscadela de olho cinéfila por parte de La Féria.
Mas o melhor e a razão por que aconselho uma visita ao Politeama, são as mulheres em palco. Destaque inevitável para a fantástica Paula Sá que, com a sua simpatia natural e uma forte presença no palco, tem a plateia rendida aos seus pés. Há uns anos tive o prazer de descobrir esta excelente actriz/cantora num concerto intimista chamado “Os Homens da Minha Vida” e só posso dizer que ela está cada vez melhor! A sua Pepa está cheia de vida e a sua voz deita a casa abaixo. A seu lado, Rita Ribeiro é a louca e melodramática ex-mulher de Ivan e prova que continua em excelente forma. Para mim, Bruna Andrade foi uma verdadeira revelação como a sexy e divertida Candela, a modelo amiga de Pepa que depressa cativa a simpatia do público. Do lado masculino, outra revelação para mim, Filipe de Albuquerque; o seu Carlos (filho de Ivan) é pleno de graça e é uma pena que não cante mais.
Não é o grande musical que esperava, nem o melhor que vi de La Féria, mas são cerca de duas horas bem passadas e o elenco merece a vossa visita.
Elenco: Paula Sá, Rita Ribeiro, Bruna Andrade, Filipe de Albuquerque, Carlos Quintas, Élia Gonzalez, Filipa Cardoso, João Frizza, Fernando Gomes, Rosa Areia. Samuel de Albuquerque, Paulo Miguel Ferreira, Jonas Cardoso, Paula Marcelo, Paula Ribas
Equipa Criativa: Texto de Jeffrey Lane baseado na obra de Pedro Almodóvar • Música e Letra de David Yazbek • Tradução de Filipe La Féria, João Frizza e Filipe de Albuquerque • Direcção Musical de Miguel Camilo e Miguel Teixeira • Coreografia de Marco Mercier • Adaptação, Encenação, Cenografia e Figurinos de Filipe La Féria
Classificação: 6 (de 1 a 10) / Fotos: Rui Ochoa
Permita-me, apenas, complementar a sua informação com a referência, mais do que justa, à Direcção Vocal do Tiago Isidro. O homem trabalha que se desunha e parece-me fundamental falar do seu importante contributo dado tratar-se de um musical
ResponderEliminarObrigado
EliminarComo já disse, está muito longe de ser o melhor do La Féria. Falta lhe a alma espanhola. Falta lhe o colorido madrileno. Falta lhe muita coisa. As imagens projetadas, muito repetidas e monótonas. Salva se a personagem Pepa, brilhantemente incarnada pela Paula Sá.
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