É uma pena que este neste mês de Verão e de temperaturas exageradamente altas, o público esteja DE MALAS AVIADAS (o tema do mês) e se esqueça de fazer uma visita ao Teatro Rápido, onde a temperatura é agradável e os actores partilham connosco a frescura das suas interpretações. Este mês, há mesmo duas interpretações inesquecíveis nas salas do TR; uma é de Rodrigo Saraiva e a outra de Anaísa Raquel, ambos revelam-se extraordinários.
Para quem não souber, C10H14N2 é a fórmula química da nicotina, bem como o título da peça em exibição na Sala 1. Num quarto de hospital, um homem com cancro nos pulmões fala para a mulher que ama e recorda alguns momentos da sua vida. O cenário é escuro, com maços de tabaco e cigarros a amontoarem-se por todo o lado; sentado na cama Rodrigo Saraiva toca um acordeão, que parece emitir o som dos pulmões. Este pequeno momento revela duas coisas, uma encenadora brilhante e inspirada, Sandra José, e um actor cuja forte presença física exige atenção imediata, Rodrigo Saraiva. Quando este diz as primeiras palavras, com a sua voz profunda e envolvente, já estamos presos ao seu personagem e completamente rendidos ao seu enorme talento. Confesso que não sou muito dado a textos poéticos, mas o texto de autoria de Sandra José é real e bonito sem ser floreado; Rodrigo Saraiva, com o seu enorme talento, transforma-o numa linguagem acessível a todos nós, dando-nos uma interpretação sentida e comovente; nele tudo é verdadeiro. Sem dúvidas, ele revela-se o melhor actor dramático que vi até hoje no TR. A não perder!
Quando entramos na Sala 2, estamos numa sala celestial onde Deus e a Nossa Senhora assistem ao fim da Terra na televisão, o que provoca uma discussão entre este casal celestial. A peça chama-se NÃO HÁ CULPA e tem um texto deliciosamente corrosivo, despretensioso e cheio de graça, da autoria de João Ascenso. Esta peça proporcionou-me um dos momentos mais divertidos a que assisti no TR. Como Deus, o jeitoso Ricardo Lérias tem uma presença omnipresente (ou deveria dizer espiritual?) e dá-nos uma interpretação plena de graça. Quanto à Nossa Senhora, a sempre excelente Anaísa Raquel é simplesmente divinal; sem querer parecer exagerado, acho mesmo que ela nos dá a melhor interpretação cómica feminina que vi até hoje no TR. João Ascenso é também o encenador e não só soube tirar o maior partido dos actores que tinha à sua disposição, como também soube criar o ambiente e o ritmo certo a esta divertida comédia. Sem dúvida um momento de pura e imaculada diversão, tal como promete o colorido cartaz de Luís Covas.
O cartaz de ERA OUTRA VEZ, em exibição na Sala 3, promete qualquer coisa de mágico, mas o que nos espera é uma peça negra sobre Peter, o menino que afinal cresceu, e o seu amigo Pan, que continua a viver no mundo da fantasia. O texto de Pedro Simões está construído sobre clichés e não trás nada de novo aos mesmos, tornando-se por vezes chato e pretensioso. Como Peter, o mesmo Pedro Simões entrega-se totalmente ao seu personagem, mas a sua interpretação é demasiado teatral, roçando o over-acting e não me convenceu. Como Pan, Bruno Rosa tem a figura física certa ao personagem e irradia alguma magia; é de lamentar que não lhe tenham dado mais oportunidade de brilhar.
Atenção: este comentário contém spoilers. Um cenário praticamente despido aguarda-nos na Sala 4, onde os actores de AS INBEJOSAS estão estranhamente ausentes. Um gravador reproduz as suas vozes e ouvimos uma discussão sobre o teatro, comercial contra o intelectual... mais lá para a frente, os actores Ricardo Barbosa e Márcia Cardoso, um par talentoso e de grande cumplicidade, ocupam o “palco”. O texto de Vicente Alves do Ó, também responsável pela encenação, é bem humorado e coloca questões sobre as quais nós, enquanto público pagador, muitas vezes nos interrogamos. Infelizmente, o som do gravador perde-se por vezes no cenário despido, prejudicando a audição do texto (a acústica das salas do TR tem sido um problema constante). Eu sei que o chamado teatro conceptual não é para todos, mas acho que esta peça ganharia se fosse dado mais tempo aos actores e menos à audição da gravação, que achei demasiado longa.
Antes de fazerem as vossas malas para ir de férias, passem pelo Teatro Rápido e assistam a uma, duas, três ou quatro das micro peças que lá estão em exibição durante este mês. Como já devem ter ouvido, são de curta duração e há sempre de tudo para todos os gostos. Pessoalmente, tenho que recomendar C10H14N2 e NÃO HÁ CULPA, uma é dramática e emotiva, a outra celestialmente divertida; em ambos há duas interpretações notáveis de, respectivamente, Rodrigo Saraiva e Anaísa Raquel.
Fotos © Mário Pires - www.ruadebaixo.com
Fotos © Mário Pires - www.ruadebaixo.com
Subscrevo totalmente o que dizes. Concordo totalmente. Isabel Damatta
ResponderEliminarIsabel, é bom saber que há quem partilhe da minha opinião.
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