terça-feira, 25 de março de 2025

OS BLOQUEADOS de Vicente Alves do Ó

Algures numa cave em Benfica, uma terapeuta reúne um grupo de quatro pessoas, cujas acções os levam a ser constantemente, por razões diferentes uns dos outros, bloqueados nas redes sociais.

A premissa não podia ser mais actual e na verdade quem de nós é que nunca foi bloqueado ou bloqueou alguém nas redes sociais? Às vezes dizemos coisas que não soam bem a alguém, exprimimos opiniões contraditórias ou até enviamos “nudes” não solicitadas, entre tantas outras coisas. Alves do Ó escreve um texto à volta deste nosso vício com essas redes e fá-lo com muita graça e, não há nada mais eficaz, que falar de coisas sérias a rir. A encenação simples deixa espaço para os actores brilharem e também na direcção destes Alves do Ó se porta muito bem.

Quanto ao elenco, os cinco actores não podiam ter sido mais bem escolhidos: Margarida Moreira é a terapeuta à beira de um ataque de nervos, Margarida Antunes é uma perseguidora de famosos, Ricardo Barbosa é um banqueiro com transtorno obsessivo-compulsivo, Sara Norte é uma crente em todas as teorias que circulam na internet e Francisco Beatriz é um engatatão aldrabão. Todos vivem com graça e talento os seus personagens, partilhando em palco uma química e uma cumplicidade de fazer inveja. Qualquer um deles merece as nossas gargalhadas e o nosso aplauso.

Aconselho a irem assistir a esta divertida comédia e acreditem que, de uma forma ou outra, vão rever-se em algumas das situações. Rir faz bem e nos tempos que correm precisamos cada vez mais disso. Estes Bloqueados esperam por vocês no Teatro Turim em Benfica (que por acaso é numa cave...) e não se atrevam a usar os vossos telemóveis durante o espectáculo!!!

Elenco: Margarida Antunes, Margarida Moreira, Sara Norte, Francisco Beatriz, Ricardo Barbosa

Equipa Criativa: Texto e Encenação: Vicente Alves do Ó• Produção: Meia Palavra Basta - Associação Cultural

domingo, 23 de março de 2025

A FAMÍLIA ADDAMS de Marshall Brickman & Rick Elice

A versão musical desta famosa saga de banda desenhada criada por Charles Addams estreou na Broadway em Abril de 2010 e demorou 15 anos a chegar até nós, mas acreditem que valeu a pena esta longa espera. Desde a cena de abertura que somos convidados a entrar no mundo alegremente negro e deliciosamente macabro da Família Addams, onde os vivos e os mortos vivem em louca harmonia.

A história é muito simples. Para horror da sua família, a filha Wednesday está apaixonada por um rapaz “normal”, quer casar-se com ele e até disposta a usar roupa amarela (que nojo!) Tudo acaba por se desenrolar à volta da visita dos seus futuros sogros à mansão dos Addams, com resultados imprevisíveis para todos.

O cenário assombrado com que somos presenteados logo no início, transportou-me para os palcos da Broadway e foi com grande gozo que convivi durante cerca de duas horas com esta hilariante família, interpretada por um elenco fantástico. A mão segura de Ricardo Neves-Neves faz parecer tudo muito fácil e a acção segue sem pontos mortos, sempre com humor e um grande carinho pelos personagens. Por vezes é difícil reparar em tudo o que se passa no palco, pois tudo e todos merecem a nossa atenção, mas acho que a ideia é fazer-nos voltar e estou cheio de vontade de o fazer.

Confesso que não ia à espera de que a comédia, para além dos diálogos mórbidos e cheios de graça, fosse tão física. Fez-me lembrar as comédias do antigamente, em que cair no chão ou bater com a cabeça numa parede tinha graça (e continua a ter). Nesse aspecto, quem mais “sofre” é o namorado Lucas. Quanto à coreografia de Rita Spider tem humor e por vezes deu-me vontade de me juntar à festa. Tenho um especial carinho por ver caos em palco, e ninguém o encena tão bem como Neves-Neves. 

Quanto às canções, da autoria de Andrew Lippa, são uma belíssima mistura do  som tradicional da Broadway com temas mais contemporâneos; claro que prefiro os primeiros e talvez por isso a minha canção preferida é “Just Around the Corner” (não apanhei o título em português) em que Morticia lidera os mortos com uma canção sobre o conforto da morte estar já ali ao virar da esquina; confesso que estava muito curioso de ver como iria ser traduzido a frase “Get it? Coroner. Death is just around the... corner.” e o resultado tem imensa graça.

Voltando ao deliciosamente louco elenco, dos personagens principais aos bailarinos, todos dão o seu melhor com grandes vozes e interpretações comicamente exageradas.

Como o clã Addams, Ruben Madureira é um charmoso Gomez, Joana Manuel uma sensual Morticia, Brienne Keller uma apaixonada e revoltada Wednesday, Alexandre Carvalho um encantador Fester, João Maria Cardoso um doce masoquista Pugsley, Ana Brandão uma louca avó e Frederico Amaral um engraçado “zombie”. Como os Beineke, Dany Duarte é um acrobático Lucas, Silvia Filipe uma reprimida (mas não por muito tempo) Alice e Samuel Ferreira Alves um “fora da sua zona de conforto” Mal. Por fim, André Lourenço, Artur Costa, Irma, José Lobo, Leonor Rolla, Margarida Silva, Rogério Maurício e Sofia Loureiro dão vida aos mortos bailarinos que acompanham a acção com graça e rigor mortis. 

Só um mais pequno apontamento. Foi bom reencontrar em palco actores que fizeram parte dos elencos de QUERIDO EVAN HANSEN e A PEQUENA LOJA DOS HORRORES

Eu sei que sou suspeito, pois sou apaixonado por musicais desde puto e comédia musical com dança é a minha maior paixão. Mas, a sério, não deixem de visitar esta família, não se vão arrepender e prometo que se vão divertir imenso!

Elenco: Alexandre Carvalho, Ana Brandão, André Lourenço, Artur Costa, Brienne Keller, Dany Duarte, Frederico Amaral, Irma, Joana Manuel, João Maria Cardoso, José Lobo, Leonor Rolla, Margarida Silva, Rogério Maurício, Ruben Madureira, Samuel Ferreira Alves, Sílvia Filipe, Sofia Loureiro

Equipa Criativa: Encenação: Ricardo Neves-Neves • Direcção Musical: Artur Guimarães • Texto Original: Marshall Brickman & Rick Elice  • Tradução Ana Sampaio • Canções: Andrew Lippa • Adaptação das Canções:  Michel Simeão • Coreografia: Rita Spider • Cenário: Catarina Amaro • Figurinos: Rafaela Mapril • Desenho Luz: Paulo Sabino • Desenho de Som: Sérgio Milhano e Frederico Pereira • Sonoplastia: Sérgio Delgado • Assistência de Encenação: Diana Vaz • Direcção Vocal & Assistência de Direcção Musical: Carlos Meireles • Produção: Força de Produção

Fotos: Filipe Ferreira




domingo, 16 de março de 2025

TICK, TICK... BOOM! de Jonathan Larson

Acredito que, para a maioria dos portugueses, o nome Jonathan Larson não diga grande coisa. Mas este jovem, que faleceu com 35 anos, foi quem nos deu RENT, um musical que estreou na Broadway em 1996 e que, de certa forma, modernizou o Musical americano. 

Escrito em 1991, este TICK, TICK... BOOM! começou por ser um monólogo autobiográfico, sobre a criação do seu musical SUPERBIA e o que se passava na sua cabeça nessa altura, quando o seu 30º aniversário se aproximava e ele sentia que ainda não tinha atingido o sucesso/reconhecimento que tanto desejava. Após o seu falecimento, este pequeno musical estreou Off-Broadway em 2001 e de monólogo passou a ser uma peça com três actores. Para além de Jonathan, Susan a sua namorada da altura e Michael o seu melhor amigo.

Este pequeno musical chegou agora a Lisboa pela mão segura de Bernardo Raposo, numa espécie de prólogo para a estreia eminente de RENT nos nossos palcos. Este TICK, TICK... BOOM! é, na simplicidade da sua encenação, um excelente exemplo de como se pode fazer muito com tão pouco. Um talentoso trio de actores, dirigidos por mão de mestre, movimentam-se com graciosidade pelo palco e vão-nos emocionando com os seus dramas e alegrias, facilmente captando a nossa simpatia.

Voltando aos actores, que para mim eram uns ilustres desconhecidos, só tenho que dizer que não podiam ter sido mais bem escolhidos. No papel principal, Miguel Cruz é uma verdadeira revelação, com uma energia arrebatadora e presença quase constante em cena. Sara Madeira e David Gomes, dividem-se com facilidade por vários personagens; ela tem o seu grande momento com a canção do musical SUPERBIA e ele é tão doce como Michael, que só nos apetece abraçá-lo.

Jonathan Larson era, como eu, um grande fã de Stephen Sondheim, talvez por isso eu adorei a cena passada no “diner”, onde é feita uma homenagem directa a Sondheim. E, porque não, uma sugestão para toda a equipa? Que tal darem-nos uma produção portuguesa do musical de Sondheim MERRILY WE ROLL ALONG? Têm aqui o trio de actores perfeito para o fazerem.

Não percam a oportunidade de ver este musical e de aplaudirem de pé os três jovens que lhe dão vida!

Elenco: Miguel Cruz, Sara Madeira, David Gomes

Equipa Criativa: Texto: Jonathan Larson • Versão Portuguesa: Bernardo Raposo • Encenação: Bernardo Raposo • Direcção Musical: António Andrade Santos • Coreografia: Sofia Loureiro • Produção: Ultra Produções


quarta-feira, 12 de março de 2025

ESCOLHAS de Sébastien Azzopardi & Sacha Danino / SWING de Henrique Dias

Estas duas peças estrearam recentemente em Lisboa. Ambas são o que se pode chamar de comédias populares, cuja única pretensão é divertir o seu público. Tanto numa como noutra, caras conhecidas fazem parte do elenco e cumprem o que lhes é solicitado. 

Confesso que, entre as duas, apreciei mais a ESCOLHAS. A premissa de nós, o público, termos responsabilidade por algumas das coisas que acontecem em palco tem graça e José Pedro Vasconcelos tem facilidade de nos colocar do seu lado. A história é simples - um homem desiludido com a sua situação actual, reencontra o amor da sua juventude e começa a questionar-se sobre a sua vida. 

Uma vez que as escolhas feitas pelo público vão alterando a trama, acredito que todas as noites o resultado poderá ser diferente e, assim, umas noites poderá ter mais piada do que noutras.

Em SWING, um casal cuja vida sexual é aborrecida, convida os “reis do swing” para uma noite apimentada, mas os “reis” não são bem o que estavam à espera. Esta é a situação criada em palco por cerca de pouco mais de uma hora e que acaba de forma abrupta... no final fiquei com a sensação que falta qualquer coisa e achei tudo muito básico. Não conhecia a faceta de comediante de Diogo Morgado, o que foi uma surpresa agradável, mas é Susana Blazer quem mais se destaca.

Em 2023, estreou entre nós outra peça sobre este assunto. Chamava-se DOIS + DOIS e era muito superior a este SWING.

Mas se o que procuram é dar umas gargalhadas sem pensar na vida, estas duas comédias cumprem a sua função.


QUANDO AS PALAVRAS SÃO DESTINO de Mathieu Aron

Ontem fui até à Junta de Freguesia de Carnide, no Espaço Bento Martins, assistir a esta peça e senti como se tivesse levado um murro no estômago.  

Com uma simples e extremamente eficaz encenação de Luís Moreira, assistimos, enquanto jurados, a cinco advogadas a defenderem os seus casos em tribunal. Os casos são reais e aconteceram em épocas diferentes em França, mas todos eles são extremamente actuais: violência doméstica, assassínio de uma menor, aborto ilegal, xenofobia e racismo, a crise dos refugiados.

Três belíssimas actrizes, Ana Lázaro, Antónia Terrinha e Mónica Garcez, defendem os seus casos com unhas e dentes, provocando-nos, consoante o veredicto final, raiva, empatia, alegria e revolta.

O espectáculo, que faz parte das celebrações do Dia da Mulher, repete hoje gratuitamente no mesmo espaço e aconselho a reservarem os vossos bilhetes. Este tribunal merece a vossa atenção e aplauso!




quinta-feira, 6 de março de 2025

A FARSA DE INÊS PEREIRA de Pedro Penim (a partir de Gil Vicente)

O clássico de Gil Vicen é alvo de uma reinterpretação moderna por parte de Pedro Penim e o resultado é hilariante, com diálogos que misturam habilmente as rimas do original com novas e mais apimentadas rimas. 

A acção passa-se toda no quarto de Inês, onde ela preguiça eternamente na cama e sonha em casar com alguém que a sustente. Claro que a sua mãe não gosta da ideia, quer que ela seja uma mulher independente, pois os homens são horríveis. E mais não conto, mas quem conhece a peça original sabe que o casamento paira no ar...

O cenário muito simples é aproveitado de forma eficaz e fluída por Pedro Penim, dando uso adequado a imagens de vídeo que pontuam a acção com graça. O colorido guarda-roupa ajuda a criar o ambiente medieval e a abordagem queer imprime-lhe actualidade e um humor irreverente que muito me satisfez. 

Tenho apenas uma reclamação a fazer. Acho que os últimos dez minutos, apesar da bela visão de um corpo masculino desnudado e da mensagem que contêm, cortam o espírito da peça, que para mim deveria ter terminado quando Inês sai da cama. 

Quanto ao elenco, nada a apontar. Stela é divertida como Inês e, apesar da sua personagem ser um bocado irritante, depressa cativa a nossa empatia. Rita Blanco vai muito bem como a sua revoltada mãe, uma mulher à frente do seu tempo. June João, como a amiga de Inês (não me recordo do nome da personagem), tem um “comic timing” perfeito e é difícil desviar o olhar de si quando está em palco. Os homens na vida de Inês são interpretados por um gozado Hugo van Der Ding, um arrogante e pretensioso Vítor Silva Costa e, por fim, um pobretanas, mas sexy Bernardo de Lacerda. Como a casamenteira, Ana Tang é doce com um toque de requintada falsidade.

Infelizmente, esta peça teve um reduzido número de sessões, e, lamentavelmente, já terminou a sua carreira. Espero que volte em breve aos nossos palcos e, quando isso acontecer, corram a comprar bilhetes. Toda a companhia merece o nosso aplauso!

Elenco: Ana Tang, Bernardo de Lacerda, Hugo van der Ding, June João, Rita Blanco, Stela, Vítor Silva Costa

Equipa Criativa:

Texto: Pedro Penim a partir de Gil Vicente • Encenação: Pedro Penim • Cenografia e Adereços: Joana Sousa • Figurinos: Béhen • Desenho de Luz: Daniel Worm d’Assumpção • Desenho de Som e Sonoplastia: Miguel Lucas Mendes • Video: Jorge Jácome • Ponto: Lídia Muñoz • Produção: Teatro Nacional D. Maria II

Fotos: Filipe Ferreira



























sábado, 1 de março de 2025

THE DROWSY CHAPERONE de Bob Martin & Don McKellar

Para quem não saiba, aqui fica uma breve história sobre THE DROWSY CHAPERONE. Esta fabulosa paródia aos musicais de antigamente, começou por ser um simples presente feito para animar a despedida de solteiro de um casal amigo. O resultado foi tão bom, que o noivo (Bob Martin) juntou-se aos seus criadores (Lisa Lambert, Greg Morrison, Don McKellar) e juntos transformaram esse presente numa inesquecível comédia musical.

Tive a sorte de ver a produção original da Broadway em 2006 e apaixonei-me perdidamente por ela, tornando-se imediatamente num dos meus 10 favoritos musicais de teatro! Quando, no ano passado, soube que uma produção portuguesa ia chegar aos palcos de Lisboa fiquei entusiasmado, receoso e cheio de vontade de ir ver. Infelizmente, com a dificuldade de comprar os bilhetes com antecedência (estou demasiado habituado às bilheteiras online, que neste caso não existia), acabei por deixar passar e fiquei aborrecido com a minha preguiça. Mas eis que THE DROWSY CHAPERONE voltou este ano a Lisboa, apenas para duas sessões, e desta vez, com a ajuda de um amigo, consegui comprar bilhetes.

A produção, um projecto conjunto da Callback Produções e da EDSAE (Companhia de Teatro Musical), é um misto da Broadway com um espectáculo de final de ano de uma escola e, sabem uma coisa? O resultado é deliciosamente divertido! Todos os meus receios em relação a esta produção dissiparam-se nos primeiros minutos do espectáculo e foi um prazer deixar-me guiar pela “mulher na cadeira” (no original era um homem). 

A história é muito simples. A “mulher na cadeira”, uma amante dos musicais de antigamente, partilha connosco o seu disco vinil do musical “The Drowsy Chaperone”, com comentários sobre os actores da peça. Neste, uma grande estrela vai abandonar a sua carreira para casar com o homem que ama, mas a sua produtora está disposta a tudo para que o casamento não aconteça.

Tenho muito pena que o musical já não esteja em exibição e espero que os seus responsáveis, JP Costa e Sara Teixeira, o tragam de novo até nós, pois merece uma longa carreira nos nossos palcos. O elenco, que é na verdade demasiado jovem para os personagens, depressa nos faz esquecer isso com o seu talento e entusiasmo. As gargalhadas são constantes e os números musicais sucedem-se com graça e ritmo; sendo muito difícil resistir ao contagioso “Surpresa Fatal” que me deu vontade de saltar para o palco. O elenco é todo bom, com destaque (lamento não saber o nome dos actores) para a hilariante Kitty, o macho sedutor Aldolpho e para a jovem que dá vida à “mulher na cadeira”.

Claro que sou suspeito em aplaudir este musical. Na realidade eu sou aquele personagem na cadeira, um amante apaixonado de comédias musicais, que adora o escape mágico que elas nos proporcionam. Se este THE DROWSY CHAPERONE voltar, não o percam! Acreditem, vão divertir-se imenso! Obrigado ao JP Costa e Sara Teixeira e a toda a equipa por me terem levado de volta ao mundo alegre deste musical tão especial!  





domingo, 12 de janeiro de 2025

A MÉDICA de Robert Icke

Esta peça de Robert Icke, que teve a sua estreia em Londres em 2019, é uma reinterpretação de um original de 1912 da autoria de Arthur Schnitzler. Icke trouxe a acção para os dias de hoje e a verdade é que a mesma não podia ser mais contemporânea.

No Instituto ALMA, a médica e directora fundadora do mesmo, de nome Piedade Lobbo, recusa a entrada de um padre no quarto onde uma rapariga de 14 anos está a morrer devido a um aborto auto-administrado; ela acha que a presença do padre não ajudará em nada a rapariga. O problema é que esta sua decisão é criticada por alguns dos seus colegas e quando o assunto chega às redes sociais, tudo se descontrola, pondo em causa a decisão e a carreira da médica.

Se, como eu, não conheciam o lado “sério” do encenador Ricardo Neves-Neves, vão ficar surpreendidos pela positiva. Aqui dá-nos uma peça clínica (com um cenário frio e eficaz de Fernando Ribeiro), mas com as emoções à flor pele e onde, inevitavelmente, cada um de nós espectadores acaba por escolher um lado. É também uma crítica à estupidez que se vive nas redes sociais e à assustadora influência que estas têm nas nossas vidas. Sem dúvida uma peça incomodativa, que coloca muitas questões e que é dirigida com mão segura por Neves-Neves.

Uma das coisas que mais apreciei na peça (que julgo vem do original de Robert Icke) é o facto de fisicamente alguns dos actores não corresponderem aos personagens que representam. Ao princípio é confuso, mas depois faz todo o sentido dentro do espírito de peça. É curioso como os nossos preconceitos pessoais (todos os temos) são postos em jogo a favor da história.

O elenco é todo ele muito bom, com destaque óbvio para uma fantástica Custódia Gallego como a Médica. A sua interpretação é daquelas que merece o nosso aplauso e todos os prémios que por cá existam. Por uma razão ou outra, sobressaíram para mim Adriano Luz, Igor Regalla, Pedro Laginha, Inês Castel-Branco, Sandra Faleiro e Rita Cabaço; mas todos os actores têm o seu momento de brilhar e em conjunto formam um grupo homogéneo de talento e de forte presença no palco.

Não deixem de irem à consulta a esta Médica e preparem-se para os possíveis efeitos secundários da sua prescrição! 

Elenco: Adriano Luz, Custódia Gallego, Eduarda Arriaga, Igor Regalla, Inês Castel-Branco, José Leite, Luciana Balby, Maria José Paschoal, Pedro Laginha, Rita Cabaço, Sandra Faleiro, Vera Cruz











Equipa Criativa: Texto: Robert Icke • Tradução: Ana Sampaio • Encenação: Ricardo Neves-Neves • Cenografia: Fernando Ribeiro • Figurinos: Rafaela Mapril • Desenho de Luz: Cristina Piedade • Sonoplastia: Sérgio Delgado • Video: José Cruz • Direção de Produção: Nuno Pratas • Produção Executiva: Rita Machado • Co-produção: Teatro da Trindade INATEL, Teatro do Eléctrico, Culturproject, Cineteatro Louletano, Teatro Nacional São João  Fotos: Alípio Padilha, Manuel Rodrigues Levita/CML-ACL

sábado, 11 de janeiro de 2025

TRÊS, A CONTA QUE DEUS FEZ de Renato Pino, Rogério Fonseca e Tiago Torres da Silva

Estreou ontem no Parque Mayer, no renovado Teatro Variedades, uma espécie de revista à antiga, em formato minimalista e com um elenco de veteranos. Para minha surpresa, diverti-me imenso!

Com o nome de TRÊS, A CONTA QUE DEUS FEZ, coloca em palco três nomes muito acarinhados pelo público e todos já na casa dos 80. Apesar da idade, todos eles demonstram estar bem vivos e ainda prontos para a brincadeira. Enquanto Florbela Queiroz e Natalina José se divertiam e nos faziam rir com as suas novas rábulas revisteiras, António Calvário enchia o palco com as suas canções e ainda com uma bela voz. A acompanhá-los, a mais jovem Fátima Severino, com a sua loucura salutar ajudou a animar a festa.

A encenação de Ricardo Miguel é simples e demonstra um grande respeito pelos actores. Os novos textos de autoria de Renato Pino, Rogério Fonseca e Tiago Torres da Silva são actuais e, entra a crítica social, política e o picante, têm muita graça, fazendo-me por vezes rir à gargalhada. Os figurinos são na tradição da Revista à Portuguesa e a assentam que nem uma luva nos actores.

Não vos vou dizer que é um grande momento de teatro e que é imperdível, mas tem muitas coisas boas e o elenco merece a vossa atenção. Mais que não seja, acreditem que vão sair do teatro bem-dispostos e, talvez, com uma lagrimita ao canto do olho.

Elenco: António Calvário, Florbela Queiroz, Natalina Jose, Fátima Severino

Equipa Criativa: Texto: Renato Pino, Rogério Fonseca e Tiago Torres da Silva • Música: Carlos Dionísio • Encenação: Ricardo Miguel • Figurinos: Marlene Fernandes • Cartaz e Cenários: Roberto Ramos – Creativ • Técnico: Vasco Gomez • Produção: João Baptista e Ricardo Miguel / Sonhos em Cena




quarta-feira, 13 de novembro de 2024

TEATRO VARIEDADES – RITA e Ricardo Neves-Neves

O mês passado, de forma discreta, o Teatro Variedades reabriu as suas portas. Situado no Parque Mayer, faz parte da história do teatro em Portugal e o facto de ter reaberto as suas portas, após grandes obras de renovação (criticadas por uns, elogiadas por outros), é motivo de regozijo para os apreciadores de teatro.

A honra de inauguração da sala coube ao encenador/dramaturgo Ricardo Neves-Neves, cuja loucura salutar é sempre bem-vinda. Para o efeito, ele deu-nos duas peças, ENTRARIA NESTA SALA e THE SWIMMING POOL PARTY. Infelizmente, ambas só estiveram em exibição por um curto espaço de tempo, mas tive o prazer de as ver. Se é verdade que não adorei a primeira, com a sua homenagem às grandes figuras do cinema português do antigamente, achei a segunda uma delícia. Em comum, ambas tinham um excelente elenco e a fluidez sem falhas da encenação de Ricardo Neves-Neves. 

Em ENTRARIA NESTA SALA, destaque para Manuel Marques, que nos deu um divertido António Silva, e para Sissi Martins, que nos deu uma eléctrica Beatriz Costa. 

Quanto a THE SWIMMING POOL PARTY, tem um texto hilariante, interpretado com brilho por um notável elenco em perfeita sintonia com o espírito da peça. Diverti-me imenso com a peça e houve quatro momentos que simplesmente adorei: Ana Brito e Cunha na sua inesquecível narrativa sobre levar com a secretária do Juiz, a história da criada muda (Ana Cloe) e a sua obsessão com os códigos postais, Filipe Vargas e a sua aventura em África com os elefantes e, por fim, a forma “que se lixe” com que Sandra Faleiro nos canta “Is That All There Is” (ficou durante dias na minha cabeça). Se voltar a estar em exibição não a percam!

Neste momento em exibição, também por uma curta temporada, temos RITA, uma autobiografia da grande Rita Ribeiro interpretada por ela própria, que celebra aqui os seus 50 anos de carreira. Rita é um verdadeiro animal de palco que nos faz rir e comover com as suas histórias e a sua entrega total à arte do teatro. O texto da autoria de Sandra José é excelente e a encenação de João Ascenso imaginativa, emocional e divertida. Um verdadeiro hino ao mundo do palco, feito com amor e carinho. Recomendo sem reservas!

O Variedades espera por vós no Parque Mayer, e se este espaço parece estar ainda meio adormecido (com o Capitólio a meio-gás), a verdade é que está vivo com uma revista no Maria Vitória e agora com o desfile de peças no Variedades. Se gostam de teatro, ajudem o Parque Mayer a renascer e a voltar a tornar-se um espaço de eleição no meio teatral alfacinha.