O segundo ano de vida do Teatro Rápido, subordinado ao tema MATER (Mãe e maternidade), começa com quatro micro-peças de grande nível e é sem sombra de dúvida o mês das mulheres, com diversas actrizes a darem-nos grande interpretações. Numa das peças, GISBERTA, ouvi uma frase que me ficou na mente e na qual acredito, se bem que nem sempre é fácil de colocar em prática - “Só devemos gostar de quem gosta de nós”.
Quando entramos na Sala 1 deparamo-nos com um homem dentro de uma banheira cheia de espuma; depois aparece uma mulher que a seu pedido o lava. Ambos são órfãos e não há dúvida que existe uma forte ligação entre os dois. É assim que começa DEBAIXO DE ÁGUA, um drama incomodativo. O tema é forte e senti-me como um intruso; não devia estar ali a assistir à estranha intimidade daquele casal; escusado será dizer que gostei dessa sensação. O corajoso texto é da autoria de Mariana Rosário, que é também quem interpreta de forma real a personagem feminina, conseguindo transmitir-nos a sua angústia. A seu lado, Eduardo Frazão, que também é responsável pela simples e eficaz encenação, pareceu-me que estava um bocado “over-acting”, mas mudei de ideias quando percebi que era um personagem com problemas graves. Não é uma peça aconselhada a espectadores mais sensíveis, mas vale a pena visitarem e descobrirem o que se passa nesta banheira.
NANA (Canção de Embalar) é o nome de peça da Sala 2. Duas mulheres reencontram-se numa consulta de ginecologia. Apesar de serem amigas de longa data, as suas vidas seguiram rumos diferentes e fazia muito tempo que não se viam. Ambas estão ali por razões relacionadas com a maternidade e mais não digo. A encenação é quase inexistente, mas a química palpável entre as duas actrizes dá vida àquelas duas mulheres, tirando o melhor partido do texto, que levanta questões relacionadas com a maternidade que poderão chocar mentes mais conservadoras. Joana Castro (a que está bem na vida) é tão natural, que nos faz esquecer que estamos a ver uma actriz e faz-nos acreditar sem reservas na sua personagem. Ao princípio, Sofia Valadas (a que está mal na vida) não me estava a convencer, mas foi-me conquistando com o desenrolar da peça. Mas é a química que as duas partilham que faz desta peça um grande momento de teatro. Uma última nota, gostei muito da canção dos Rolling Stones que elas cantam e bem.
Baseado na vida trágica de GISBERTA, um transexual que foi brutalmente assassinado faz já alguns anos, esta emotiva micro-peça, com um excelente texto e encenação de Eduardo Gaspar, dá-nos a conhecer a tragédia através de uma entrevista à mãe de Gisberta. Esta mulher que viu o seu menino transformar-se numa mulher, nunca conseguiu aceitar essa vontade do filho e agora resta-lhe a raiva e o remorso. A interpretar esta mulher temos uma espantosa Rita Ribeiro, que se entrega de alma e coração ao papel, tocando-nos com a sua emotividade. Esta é uma das melhores peças que vi até hoje no TR e Rita Ribeiro dá-nos uma das melhores interpretações a que tive o prazer de assistir neste espaço teatral. Sem lamechices, esta peça toca-nos, deixa-nos com um nó na garganta e, no fim, só nos apetece abraçar Rita Ribeiro. Inesquecível e com uma ambiência cénica verdadeiramente atmosférica. A não perder na Sala 3!
Para aliviar dos dramas intensos das outras salas, na Sala 4 espera-nos a ligeira e brejeira comédia A-BOR-TODAS! Uma freira, uma puta e uma adolescente encontram-se na sala de espera de uma clínica de abortos e partilham entre si o que as levou àquela delicada situação. O texto de Alberto Sogorb encara o problema com bom sentido de humor e com graça. As três actrizes, Alba Novoa (a freira), Blanca Escobar (a adolescente) e Pilar Contreras (a puta) parecem saídas de um filme de Pedro Almódovar e divertem-se e divertem-nos com as suas histórias. O original é espanhol, as actrizes também e acredito que a versão nessa língua é capaz de ser mais engraçada, mas gostei dos 15 minutos que passei na companhia destas alegres mulheres e ri-me com gosto.
É bom saber que o teatro ainda tem o poder de nos emocionar, incomodar e divertir. Tudo coisas que senti com as peças deste mês, onde o talento e a qualidade fluem naturalmente. Como já disse no início, este é o mês das mulheres e duas delas, Rita Ribeiro e Joana Castro, sobressaem sem esforço. Para o mês que vem há mais!
Obrigada, Jorge.
ResponderEliminarTambém senti o mesmo. Gostei muito deste mês e marcou-me bastante.
Abraço*