sábado, 3 de maio de 2014

TEATRO RÁPIDO MAIO 2014: FESTA É FESTA

No mês em que comemora o seu segundo aniversário, o Teatro Rápido escolheu o tema FESTA É FESTA e, pela primeira vez, decidiu repor algumas peças que por lá já passaram e que obtiveram sucesso junto do público. Entre as quatro escolhidas, todas de grande qualidade, estão duas das melhores que já passaram pelo TR: C10H14N2 e A CAMISA, O VESTIDO E A JANELA. Em comum, todas elas têm excelentes interpretações.

Estes comentários às peças foram escritos por mim pela altura da sua estreia no TR, com umas ligeiras alterações.

Num quarto sórdido de uma pensão rasca, uma puta velha recusa-se a aceitar o dinheiro do seu cliente, pois por momentos ela sentiu amor com ele. É esta a premissa de ONDE É QUE JULGAS QUE VAIS? a nova peça de Tiago Torres da Silva, em exibição na Sala 1. Gostei do ar teatral, do ambiente pesado e do texto dramático com pequenos apontamentos de humor negro. Como a velha puta, Fernanda Neves é excelente e estranha como uma diva decadente a quem já nada interessa; a seu lado, João Passos é o cliente satisfeito e, de certa forma, triste. Ao ver a peça só me lembrava do filme CABARET; esta velha puta bem poderia ter sido Sally Bowles nos seus tempos áureos.

Na Sala 2 em vez de uma peça de 15 minutos, temos 3 peças de 5 minutos. São elas A CAMISA, O VESTIDO E A JANELA, todas a partir de “Peças Amorosas” de André Murraças e todas interpretados pelo jovem Eduardo Molina, que é desde já uma das maiores revelações na história do TR. Com um perfeito “comic timming” e uma simpatia natural que facilmente conquista o público, ela conta-nos tudo sobre os buracos na sua camisa, da importância que um vestido branco tem para uma bailarina e revela um voyeurismo inquietante sobre tudo o que vê a partir da sua janela. O melhor momento é o da bailarina, que é verdadeiramente hilariante; mas tudo o resto é pleno de graça e tinha ficado de bom grado mais tempo na companhia de Molina a ouvi-lo contar mais histórias. Com uma cenografia simples e uma direcção sem falhas, é uma das melhores peças na história do TR. Imperdível!

O ano passado, se fosse viva, Natália Correia teria festejado o seu 91º aniversário e na Sala 3 comemora-se essa data com NATÁLIA, a que Teresa Côrte-Real dá corpo e alma, numa interpretação distinta e “bigger than life”. Com uma encenação muito simples, esta micro-peça dá-nos a conhecer um pouco desta mulher, que “nasceu de uma loba”, que deu tudo pela democracia, que era uma poetiza do amor, que se estava borrifando para o que diziam de si e que hoje está um pouco esquecida na memória do nosso povo. O jovem Renato Pinto, responsável pelo texto, tem a ingrata tarefa de se deixar “apagar” por Teresa Côrte-Real, mas percebe-se no seu olhar a admiração que ele tem por esta grande actriz e pela mulher que ela representa.

Para quem não souber, C10H14N2 é a fórmula química da nicotina, bem como o título da peça em exibição na Sala 4. Num quarto de hospital, um homem com cancro nos pulmões fala para a mulher que ama e recorda alguns momentos da sua vida. O cenário é escuro, com maços de tabaco e cigarros a amontoarem-se por todo o lado; sentado na cama Rodrigo Saraiva toca um acordeão, que parece emitir o som dos pulmões. Este pequeno momento revela duas coisas, uma encenadora brilhante e inspirada, Sandra José, e um actor cuja forte presença física exige atenção imediata, Rodrigo Saraiva. Quando este diz as primeiras palavras, com a sua voz profunda e envolvente, já estamos presos ao seu personagem e completamente rendidos ao seu enorme talento. Confesso que não sou muito dado a textos poéticos, mas o texto de autoria de Sandra José é real e bonito sem ser floreado; Rodrigo Saraiva, com o seu enorme talento, transforma-o numa linguagem acessível a todos nós, dando-nos uma interpretação sentida e comovente; nele tudo é verdadeiro. Sem dúvidas, ele revela-se o melhor actor dramático que vi até hoje no TR. A não perder!


Para o mês que vem, o programa do TR voltará a ser preenchido por micro-peças originais, ou assim o espero. Até lá não deixem de ir ver as peças deste mês, todas elas merecem a vossa visita e todos os actores merecem o vosso aplauso. Um programa a não perder!

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