Estranhas coisas estão a acontecer este mês no Teatro Rápido. Subordinadas ao tema EM NOME DO PAI, as micro-peças de Março prometem cenários e situações nunca vistas nem imaginadas no espaço minimalista das salas deste original espaço teatral. Tenho que confessar que não consegui vislumbrar o tema do mês em duas das peças; até pode lá estar, mas escapou-me totalmente.
Comecemos pela Sala 1, onde dois talentosos jovens, Miguel Ponte e Ricardo Tavares, nos levam por uma viagem rápida pelas Escrituras Sagradas em FOLHAS E NÃO CREDOS. Baseando-se nas histórias da Bíblia, Miguel Ponte escreveu um texto cheio de graça e imaginação, que poderá ofender os mais religiosos, mas onde não existe qualquer malícia. Adorei a forma criativa em como ele e o seu companheiro de cena, Ricardo Tavares, utilizam as caixas que formam o cenário, bem como a forma divertida com que encarnam as várias personagens da Bíblia. Entre os dois actores existe uma grande cumplicidade, que eles partilham com o público, conquistando-nos com o seu humor e talento. É de louvar que o TR dê a oportunidade a jovens talentos como estes de mostrarem o que valem. Sem dúvida, a melhor peça deste mês!
Estão preparados para assistir a um EXORCISMO – UMA HISTÓRIA DE AMOR? Se a resposta for positiva, podem visitar a Sala 2 do TR, onde um padre de nome Max (cujo nome presumo se que seja uma referência ao filme “O Exorcista”, onde o papel principal era interpretado por Max Von Sydow) tenta exorcizar um demónio. Os primeiros minutos são diabólicos e capazes de causar calafrios, mas o que se segue apanha-nos desprevenidos, num misto de humor e drama. Gostei muito das voltas e reviravoltas que o texto de Eric L. da Silva dá durante os 15 minutos de duração da peça; nunca sabemos muito bem o que esperar a seguir e quem está a exorcizar quem. Como o demónio, o próprio do Eric Silva dá-nos uma convincente e por vezes arrepiante interpretação; o que ele faz com a sua voz é de fazer inveja a Linda Blair (a menina possessa do “Exorcista”) e o seu aspecto físico é assustador. A seu lado, Gonçalo Oliveira, é um credível padre que sente um misto de repulsa e fascínio por aquele demónio. A química entre estes dois excelente actores é palpável e uma parte importante desta experiência teatral.
Em SUBMERSAS o elemento mais importante é a água e, assim sendo, quando entramos na Sala 3 deparamo-nos com uma piscina! À volta desta, uma mulher (Joana Paes de Freitas) luta consigo própria (Catarina Aidos), tentando convencer-se a mergulhar na água fria da piscina, numa tentativa de “lavar” a alma – bem, isto é a minha interpretação do que vi. O texto é secundário ao que se passa e a peça vive praticamente do grande talento de Joana Pães de Freitas, que nos consegue transmitir uma sensação de angústia e ansiedade. Não diria que é uma peça fácil e é bem possível que haja significados nesta que me passaram completamente ao lado, mas vale pela presença e coragem de Joana Freitas.
Na Sala 4 somos recebidos à porta por um bem-disposto Albano Jerónimo (que gostei muito de ver no filme “Florbela”) que assim nos dá as boas vindas a um recinto que me fez lembrar uma feira “manhosa” em EUROPA, ICH LIEBE DICH. No meio da sala, um touro mecânico é a peça fulcral do cenário e a acção começa com Albano a dançar em pé sobre o mesmo, quase como se fosse uma dançarina de varão. Na verdade o rapaz até que mexe bem as suas ancas, mas ao fim de um minuto perdeu-se o efeito surpresa e o que se segue não me convenceu. Senti que a peça tinha falta de ritmo e tem algumas paragens que me deram a ideia de que o actor estava simplesmente à espera que o tempo passasse. O texto, politicamente mordaz, não tem graça e, com excepção da cena das t-shirts, não houve nada de que eu gostasse particularmente. Também achei a peça muito barulhenta e com muita coisa a acontecer ao mesmo tempo; é ele em cima do touro, é o ecrã onde vai passando texto e um contador temporal que nunca mais chegava ao tempo limite dos 15 minutos. Não tenho dúvidas que Albano Jerónimo se esteja a divertir muito a fazer esta peça, só lamento que essa diversão não me tenha sido transmitida, na realidade senti-me um pouco gozado; será essa a intenção da peça?
Em termos gerais, a programação deste mês não é tão equilibrada como a de Fevereiro. Independentemente disso, há muito bom teatro e talento a rodos no Teatro Rápido. Estou certo que haverá muita gente que vai achar piada a EUROPA, ICH LIEBE DICH e muitos que irão perceber os possíveis significados escondidos de SUBMERSAS, onde Joana Paes de Freitas vai mesmo muito bem. Pessoalmente, tenho que vos recomendar o por vezes arrepiante EXORCISMO – UMA HISTÓRIA DE AMOR (não é todos os dias que se pode assistir a um exorcismo ao vivo) e o muito divertido e criativo FOLHAS E NÃO CREDOS, ambas as peças com dois pares de talentosos actores.
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