No mês em que se comemora o 25 de Abril de 1974 e a liberdade que o mesmo trouxe ao nosso país, o Teatro Rápido escolheu como tema LIVRE (MENTE). Ao contrário do que seria de esperar, os projectos apresentados têm pouco ou nada a ver com as liberdades conquistadas em Abril de 1974. O tema foi interpretado mais no sentido das liberdades pessoais de todos nós e o que na realidade significa ser livre. Das quatro micro-peças que vi, retive a seguinte citação (não sei se estas são as palavras exactas): “tens que perder a identidade para seres livre”.
A frase acima mencionada é dita por um dos prisioneiros de A LIBERDADE É UM LUGAR INQUIETO. Tal como o título, estamos perante algo de inquietante. Dois homens partilham um espaço fechado, onde um novato acabou de chegar e um veterano se prepara para abandonar. A razão por que ambos se encontram naquele espaço nunca nos é explicada e fica à nossa livre interpretação. Há qualquer coisa na fisicalidade daqueles corpos que enche o espaço e nos faz sentir indefesos. Quanto um deles nos diz “dêem-me espaço”, é com receio que nos afastamos para o que aí vem. Ambos os actores tem presença, mas como o veterano, é difícil desviar os olhos de Rodrigo Saraiva e da força física e interior que imprime à sua personagem; Igor Regalla tem a fragilidade necessária à sua personagem e faz-nos acreditar no seu medo. Uma experiência interessante, um pouco surrealista, que nos faz pensar na nossa própria liberdade. Confesso que acho que se passa mais nesta peça do que aquilo que eu entendi.
Recordam-se do divertido LÁGRIMAS NÃO SÃO ARGUMENTOS que passou em Dezembro no TR? Essa peça era baseada em poemas de Adília Lopes e este mês outros escritos desta senhora estão na base de CINDERELA A DIAS. Uma jovem mulher recorda uma paixão, perdida no meio de dezenas de sapatos, mas esta “Cinderela Moderna” não passa a ferro e nem cozinha. O texto não é tão conseguido como o da outra peça, mas tem alguns momentos hilariantes, que me fizeram rir à gargalhada – um deles tem a ver com os cursos do Planeta Agostini. Achei as sequências da televisão um pouco longas, acabando por perder parte da piada. Ao princípio não achei muita graça a Mariana Mestre, mas com o decorrer da peça ela foi-me conquistando e, apesar de ter achado a sua interpretação um pouco desequilibrada, foi com sinceridade que a aplaudi no final.
LÁPIS AZUL de Tiago Torres da Silva traz consigo a estreia teatral de Lara Li. Aqui ela interpreta uma actriz em final de carreira que se recusa a abandonar o palco, pois acha que aí nada de mal lhe pode acontecer. A seu lado, um sóbrio João Passos interpreta vários personagens da sua vida, bem como um técnico do teatro; o facto de ele interpretar todos os personagens da mesma forma, torna as coisas um pouco confusas. A personagem da actriz necessitava de alguém “bigger than life” a dar-lhe vida; Lara Li está bem, mas não “enche” o cenário. A princípio pensei que a personagem da actriz era um fantasma que assombrava aquele teatro, o que talvez tivesse tornado as coisas mais interessantes. Senti que a peça se arrastava (contrário à politica do TR, dura um pouco mais de 15 minutos e sem necessidade de assim ser) sem grande dramatismo ou emoção e, infelizmente, não senti nada por aquela velha actriz.
Na Sala 4 colocam-nos a questão E A QUE BRINDAMOS? E a resposta é simples, brindamos ao talentoso Fernando Ferrão. Numa estação de comboios (um cenário espantoso que transformou completamente esta sala do TR) um vagabundo é abordado por um jovem de fato que lhe propõe um emprego. Entre os dois nasce um diálogo interessante, a que Ferrão dá a sua alma e coração, fazendo-nos acreditar naquele vagabundo que se sente bem com a sua escolha de vida. Como o jovem de fato, Sabri Lucas não está à altura de Ferrão e falta personalidade à sua personagem. Gostei muito da peça, mas falta-lhe um final que feche a situação criada; é como se tivesse ficado algo por acontecer, por dizer.
Como já devem ter percebido, não fiquei louco por nenhuma das micro-peças deste mês, mas não deixa de ser um mês com apostas interessantes e boas interpretações. O que mais retive, para além da excelente interpretação de Fernando Ferrão, são os corpos desnudados de A LIBERDADE É UM LUGAR INQUIETO e o cenário surpreendente de E A QUE BRINDAMOS?
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